Et l’on est seul avec Paris, L’Onde et la Nuit1
Iluminura intempestiva, Imagens são Espelhos é uma reminiscência sútil da poética fotográfica que a cidade de Paris inspirou no início do século passado. Álbum paradoxal, aparentemente aleatório na sua montagem, suas sobreposições e suas condensações oníricas agem em muitas direções. Sugerem uma Paris-sentença : horizonte (aqui) impossível ; uma Paris-adjetivo : horizonte balzaciano-benjaminiano; uma Paris-moda : a pulsação pungente da beleza visual que veste os corpos e os edifícios; uma Belo Horizonte de fragmentos arquitetônicos eleitos por um olhar que identifica na destruição alguns panos dignos de salvação. É um livro-passagem, que ritma a construção de um sonho cinza : de página em página, deslizamos ad libitum num corpus urbano cujas cores ausentes jazem na zona vibrante das texturas foscas ou brilhantes. Reluzem para figurar a potência da imaginação. Se prestam a uma poética de sombras necessárias a toda iluminação. Irresistível é a impressão de folhear um livro de fotografias surrealistas. Cita o Parc des Buttes-Chaumont, um cenário na deriva do Camponês de Paris imaginado pelo escritor Louis Aragon em 1926, com a Ponte dos suicídios. Mostra o charme do adorno histórico em vitrines, como viu André Breton. Faz uso da fotomontagem, técnica já secular que testemunha nas artes a fortuna figural do sonho e da moda. Apresenta algumas « contre-plongées » que lembram a poética construtivista do fragmento e do oblíquo arquitetônicos. Trabalha na fronteira tênue na qual a imagem, moeda hoje desvalorizada, vítima da equivalência que afeta muitas mercadorias visuais, reconquista sua singularidade: provisoriamente gêmeas, belo horizonte e a cidade- luz compartilham alguns afetos materiais e epidérmicos. Entretanto, os muitos elementos visuais lineares transformam as fotografias em estigmas da melancolia, que mescla « a Lembrança com o Crepúsculo », como escrevia o poeta Paul Verlaine. Vidros-lágrimas, as janelas « cristalizam » os cenários. Aquáticas ou cristalinas, as imagens são habitadas pelo silêncio e pela ausência humana : na hora incerta e flutuante entre dia e noite, noite e dia, quando os sentidos adormecem ou acordam, as fotografias imaginam a volta ou o esvaziamento progressivo da multidão... À Ponte dos Suicídios – metáfora possível do risco em que certas cidades se encontram de se dar a morte ! – sucedem os vaga-lumes que permitem não desesperar do mundo : sobre o horizonte da destruição, luzes intermitentes desenham o espaço da aurora. Prof. Dr. Stéphane Huchet Escola de Belas Artes da UFMG 1 Paul Verlaine, « Nocturne Parisien », Poèmes Saturniens, 1866.